Gestão Esportiva: Tudo que você precisa saber
Gestão Esportiva é um tema que vem ganhando muita notoriedade no passado recente do esporte nacional. Também, não é para menos. O Brasil sediou dois dos maiores eventos esportivos do mundo na última década. A princípio, a Copa do Mundo em 2014 e as Olimpíadas em 2016 agitaram a indústria do esporte em terras tupiniquins. Da mesma forma, também sediamos Pan Americano em 2007 e Jogos Mundiais Militares em 2011. Toda essa movimentação gerou uma expectativa enorme a cerda da administração desportiva no Brasil. Muito foi falado sobre os impactos (de curto e médio prazo) e legados (de longo prazo) que esses eventos resultariam ao esporte brasileiro. Desde então, para onde estamos caminhando na Gestão Esportiva?
De antemão, precisamos compreender que findou-se a “década de ouro” do esporte. Desde o início da pratica desportiva no Brasil, nunca se teve tanto recurso disponível. Porém, mal administrado, não foi capaz de materializar efeitos satisfatórios para o esporte. Faltou uma política de esporte estruturada e planejada para atrair e capacitar profissionais para atuar na Gestão do Esporte, aptos administrar o possível legado. Para compreender como poderíamos ter escrito nosso futuro no esporte nacional, precisamos compreender o que de fato é Gestão Esportiva. Para que ela serve? Quem atua? Onde se capacitar?
Gestão Esportiva: O que é?
Em primeiro lugar, precisamos encontrar uma definição. Gestão Esportiva pode ser definida como a utilização e aplicação de diferentes conhecimentos provenientes principalmente das Ciências do Esporte e da Administração, aplicados no gerenciamento das diferentes atividades e organizações existentes e que envolvem o fenômeno Esporte. Esta definição foi apresentada pelos doutores em Gestão do Esporte Ary Rocco e Leandro Mazzei, na publicação “Um ensaio sobre a Gestão do Esporte” de 2017. Desmembrando a expressão, a definição de gestão propriamente dita envolve conhecimento e perspectiva para basear a tomada de decisão. Antecipadamente, estrutura-se também o planejamento para determinar o controle e a avaliação das atividades ou organizações onde a gestão é aplicada. Em outras palavras, a gestão do esporte se torna uma área multidisciplinar. E qual é o histórico da gestão esportiva no mundo?
Uma Breve História
A gestão esportiva começou a saltar aos olhos em meados dos anos 60, mais precisamente nos Estados Unidos. Os esportes americanos estavam se tornando cada vez mais qualificados, tanto na esfera profissional quanto no âmbito universitário. Grandes empresas começaram a enxergar no esporte uma capacidade de trabalhar as suas marcas e atingir o consumidor. Desse modo, grandes cifras foram entrando no esporte, que começou a movimentar muito dinheiro. Além disso, o próprio esporte começou a se posicionar como um produto a ser consumido, principalmente pela mídia, ocupando grades de horário nobre. Dessa forma, atraiu ainda mais investimentos, desenhando toda uma indústria, extremamente lucrativa, em torno do esporte.
Indústria do Esporte
Dessa forma é que foi definido o conceito de indústria do esporte. Realizando o mesmo desdobramento realizado anteriormente, vamos entender o conceito de indústria, apresentado por Michael Porter em 1989. O termo indústria pode ser entendido como um mercado que oferece produtos e serviços semelhantes ou estritamente relacionados a uma mesma gama de consumidores potenciais, mas com perfis demográficos e psicológicos diferenciados com relação às necessidades, vontades, desejos ou exigências. Sendo assim, a indústria do esporte se subdivide em três macro segmentos, inerentes à Gestão Esportiva.
Prática Desportiva
O segmento de prática desportiva é composto por organizações que ofertam como serviço as atividades ligadas ao esporte. Essas atividades podem classificadas como entretenimento ou desempenho esportivo. E quais são essas organizações? Como elas atuam? A saber, elas estão elencadas no Sistema Nacional do Desporto, que é definido pelo Art. 4º da Lei 9.615/88 (Lei Pelé). Os três exemplos mais clássicos desta composição está inicialmente nas Entidades de Prática Desportiva (Clubes, Academias, Etc.). Posteriormente as Entidades Regionais de Administração do Desporto, conhecido como Federações. Em síntese, a título de curiosidade, para se fundar uma federação, é necessário a existência de três entidades de prática desportiva. E por fim, as Entidades Nacionais de Administração do Desporto, as Confederações, que seguem a mesma regra de fundação, sendo necessárias três federações. Este primeiro segmento é considerado vital para a indústria do esporte.
Produção Desportiva
A segunda área é formada por empresas que fornecem produtos para o esporte. Como exemplo, as fabricantes de vestuário esportivo (Como Nike, Adidas, Rebook, Etc), ou de bolas (Como Wilson ou Spalding) e até mesmo equipamentos específicos. Dessa forma, a área de produção é responsável por impulsionar a prática desportiva, ofertando produtos para consumo.
Promoção Desportiva
Por fim, a última esfera é formada por empresas que promovem o esporte como um produto. Da mesma forma como o desenvolvimento de ações relacionadas com marcas de fora da indústria esportiva que utilizam o esporte como veículo de promoção e comercialização. Ou seja, utiliza a parcela da sociedade que o esporte impacta e a sua autoridade para promover sua marca e alcançar mais vendas. Essa prática, no marketing esportivo, é conhecida como marketing através do esporte, contribuindo consideravelmente para a movimentação de cifras na indústria.
Definições da Gestão Esportiva
Como já compreendemos anteriormente, a gestão esportiva se dá pelos resultados da aplicação da Administração aliados a Educação Física. Quando a área de gestão do esporte começou a ser amplamente estudada nos Estados Unidos sobre a alcunha de Sports Management, conseguimos segmentar como cada aspecto é aplicado. Independente da terminologia utilizada, a gestão esportiva trás como premissa básica a otimização de processos gerenciais ligados ao esporte, buscando o sucesso esportivo. Por isso é um conceito amplo. Para ficar mais claro, em um sentido acadêmico, traremos a definição que a North American Society for Sport Management (NASSM), primeira entidade a estudar a gestão esportiva no mundo.
Gestão Esportiva é um campo relacionado com a coordenação da produção e comercialização de serviços esportivos (classificados como serviços participantes e espectadores). Essa coordenação é obtida por meio das funções gerenciais de planejar, organizar, liderar e avaliar. Assim, a gestão do esporte, como área de estudo científico e preparação profissional, aborda essas funções dentro do ambiente específico do empreendimento esportivo.
Gestão Esportiva é o mesmo que Marketing Esportivo?
Definitivamente, se precisarmos de ser diretos e categóricos, a resposta é não. O Marketing Esportivo está imerso no universo da gestão esportiva. O marketing está sempre ligado ao mercado e ao consumo. A gestão está ligada à indústria, que como vimos anteriormente, é um conceito bem mais amplo. O gestor esportivo é multidisciplinar e precisa dominar diversas áreas do negócio / business. Administração, Financeiro, Eventos, Compras, RH, dentre milhares outros atributos, incluindo o marketing.
Gestão Esportiva: Quem faz?
Para compreender os aspectos da Gestão Esportiva, faz-se necessário entender a figura do gestor. No tópico anterior, falamos que o gestor esportivo é um ser multitarefas. Dessa forma, determinar o gestor em um único perfil é uma tarefa complexa. Por isso é mais viável elencarmos algumas de suas competências, que são abordadas por Cacilda Amaral e Flávia Bastos na publicação O Gestor Esportivo no Brasil: Revisão de Publicações no País.
Dentre suas competências, estão: ter a capacidade de conjugar e lidar com políticas; definir a missão da organização; desenvolver o planejamento; convergir os recursos humanos para os objetivos a serem alcançados; conhecer e estimular técnicas de marketing, imagem e comunicação; elaborar políticas de gestão de qualidade; dentre outros. Assim, uma posição de liderança de uma atividade que se contextualiza como interdisciplinar, o gestor esportivo deve apresentar uma constante preocupação com suas habilidades e capacidades de coordenar pessoas e recursos em sua organização.
Gestão Esportiva: Teoria + Prática
Assim sendo, é inegável compreender que o perfil ideal do gestor necessita ter um balanceamento perfeito entre os aspectos do esporte e da administração. Normalmente, em um ciclo de vida do esporte, a figura do gestor sucumbe quando a carreira de atleta entra em declínio. Daí, o ex atleta busca se capacitar e ocupar espaços na administração ou no âmbito técnico de entidades de prática desportiva ou entidades de administração do desporto. Entretanto, acaba-se gerando um problema, ocasionando a ocupação desses espaços por especialistas em somente uma das áreas inerentes à gestão esportiva.
Nesse sentido, é preciso incentivar ao ator que se propôs a ocupar o cargo de gestão esportiva, a participar de um processo de educação continuada. Assim como já identificamos que administrar o esporte é um fato multidisciplinar, faz-se necessário que o gestor esteja em constante evolução. Ou seja, que esteja sempre em uma busca incessante de ser mais eficiente e eficaz. Também é preciso estimular cada vez mais que esses gestores saiam somente do conhecimento empírico e comece a ocupar também o ambiente acadêmico. Desenvolver pesquisas em suas áreas de atuação e modalidades esportivas para basear a melhor tomada de decisão. Inegavelmente, o sucesso esportivo está vinculado na fusão do desenvolvimento teórico e a experiência da prática desportiva.
Como atuar na Gestão Esportiva?
Basicamente, se o seu intuito em atuar no esporte é na área de gestão, o seu local de atuação é na Indústria do Esporte, como mencionamos anteriormente. Normalmente, os gestores mais atuantes, estão a frente das entidades de prática desportiva e nas entidades de administração do desporto. Esses são os que chamamos de Front da Gestão. Ou seja, os gestores que estão a frente da administração da prática desportiva dentro da indústria. São eles que lidam com processos gerenciais e administrativos ligados ao esporte a todo momento. Os outros gestores, os quais chamamos de secundários, normalmente lidam somente com parte do processo da gestão esportiva.
Assim como o exemplo citado, o profissional de marketing esportivo. Ele atua dentro da indústria do esporte, na parte de gestão, entretanto, somente com uma parte em específico: o marketing. Ele não precisa pensar em identificar talentos, ou comprar uma passagem para uma competição. Ou ainda de compreender se o técnico tem conhecimento o suficiente para desenvolver os atletas. Ele lida única e exclusivamente com uma parcela da gestão, que é trabalhar a imagem da instituição e dos seus ativos, capacitando o seu mercado para consumir o produto esporte.
A dica que a Bigmidia dá, é tentar compreender como cada entidade funciona estatutariamente. Como a grande maioria das instituições de prática e administração do desporto são associações privadas, todo o seu regimento é determinado pelo estatuto social. Outra forma interessante é iniciar uma prestação de serviços voluntários para essas entidades. É uma forma de começar a aprender e colocar em prática todos os ensinamentos sobre a gestão esportiva que você tem acumulado.
O Sucesso na Gestão Esportiva
Agora que já sabemos bem definidamente o que é gestão esportiva, devemos trabalhar em alcançar o sucesso. Mas, antes de tudo, precisamos compreender quais fatores podem influenciar o sucesso esportivo. Ou seja, encontrar algum método que pode analisar o desenvolvimento da gestão das entidades relacionadas a prática desportiva, que são o coração da indústria do esporte. Sobretudo, para nossa sorte, alguns pesquisadores em 2006 desenvolveram um modelo para mensurar o sucesso. Proposto por De Bosscher, De Knop, Van Bottenburg e Shibli, o método é intitulado como Sports Policy Leading to International Sporting Success (SPLISS).
O Modelo Spliss
O Modelo SPLISS consiste em um sistema de avaliação de políticas de esporte baseado em fatores que podem influenciar no sucesso esportivo internacional, principalmente no âmbito do alto rendimento. Vários fatores podem influenciar no desempenho e, consequentemente, nos resultados das competições esportivas. Nós podemos dividir esses fatores em três níveis (Macro, Micro e Meso). O macronível é impactado por variáveis gerais, normalmente fora do controle da gestão esportiva, como PIB, fatores culturais, , etc. Posteriormente, no micronível, são fatores que exercem influencia direta no desempenho individual de cada atleta tais como genética, aspecto socioeconômicos, etc. E por fim, no mesonível, são elementos determinados pelas políticas desenvolvidas para o esporte de alto rendimento. Dessa forma, o SPLISS se baseia em nove pilares, organizados em uma lógica sistêmica de entradas, processos e saídas, que originam os resultados esportivos.
Pilar 1: Suporte Financeiro
É designado para mensurar o investimento (entrada) de recursos financeiros voltados aos programas esportivos. Com efeito de classificação geral ou desporto de alto rendimento, sempre baseando-se em recursos públicos.
Pilar 2: Governança e Políticas para o Esporte
É um pilar de fundamentação para o modelo. Ele já entra nos processos, sugerindo que as entidades responsáveis pelo esporte desempenhem uma comunicação eficiente entre elas, simplificando a gestão. Sendo assim, os governos assumem uma estrutura política de desenvolvimento do esporte e governança estratégica, para que as chances de sucesso sejam otimizadas.
Pilar 3: Desporto de Base e Participação
Intencionado para obter informações acerca de três contextos de prática desportiva: O desporto educacional em caráter curricular ou extra curricular (praticado nas escolas); A prática desportiva formal e organizada (competições oficiais); E a prática informal e recreativa.
Pilar 4: Identificação e Desenvolvimento de Talentos
Desenvolvimento de processos para detectar e selecionar talentos esportivos, que poderão em um futuro próximo representar o país em competições de alto rendimento.
Pilar 5: Suporte na Carreira e Pós Carreira Atlética
É relacionado ao apoio que o atleta recebe durante sua carreira, de modo que possa se dedicar à prática esportiva em tempo integral, sem dividir o seu desenvolvimento com outra atividade laboral. Trata-se também do apoio dado ao término da pática pelo atleta, quando se aposenta.
Pilar 6: Instalações Esportivas
Apontado para as estruturas e equipamentos destinado a prática do esporte. Principalmente os centros e instalações destinadas ao desporto de alto rendimento e ao treinamento de base.
Pilar 7: Suporte Para Técnicos
Aborda os quatro sustentáculos relacionado aos técnicos. 1) Quantidade de técnicos capacitados; 2) Formação e desenvolvimento a nível internacional; 3) Condições de se dedicarem integralmente a função de técnico; e 4) Valorização profissional.
Pilar 8: Competições Nacionais e Internacionais
Refere-se a realização e participação de atletas em competições de escopo nacional e internacional, elencadas pela relevância das competições para a formação e desenvolvimento dos atletas.
Pilar 9: Pesquisa Científica e Inovação
E por fim, o nono pilar está relacionado diretamente à ciência e à tecnologia, com a capacidade de avaliar as conexões entre as evoluções esses aspectos juntamente ao desenvolvimento do desporto de alto rendimento no país.
O Brasil no Spliss
A princípio, quando falamos de gestão esportiva no Brasil, sempre correlacionamos o seu desenvolvimento com a eficácia e eficiência. Todavia, essas qualidades podem ser entendidas respectivamente, como a forma que as metas e objetivos são alcançados por uma atividade ou organização e a quantidade dos recursos utilizados para atingir essas metas e objetivos que foram estipulados. Sendo assim, eficácia se trata de fazer o que é preciso, agindo corretamente, para alcançar um objetivo, utilizando os melhores meios.
Já que a eficiência está ligada a conquistar os objetivos traçados, com a menor quantidade de recursos. Já falamos aqui anteriormente sobre as altas cifras investidas no esporte nacional, impactando diretamente o primeiro pilar do modelo Spliss. Mas será que administramos estes recursos com eficácia e eficiência? O consórcio SPLISS realizou, em 2015, um comparativo dos nove pilares mencionados entre 15 países. Austrália, Bélgica, Brasil, Canadá, Coréia do Sul, Dinamarca, Espanha, Estônia, Finlândia, França, Holanda, Irlanda do Norte, Japão, Portugal e Suíça. Confira abaixo.
Em uma análise breve, podemos observar que quase alcançou o teto do suporte financeiro, definido pelo primeiro pilar. Entretanto, os resultados dos demais pilares estão bem abaixo quando comparado com a média dos demais países. A que se deve esta incapacidade? Sobretudo, em políticas e planejamento bem estruturado para o esporte. Como podemos mudar essa realidade? O que podemos esperar da gestão esportiva no horizonte?
Gestão Esportiva e o seu Futuro
Com o fim da década de ouro do esporte nacional, precisamos olhar para o futuro. Compreender qual é a capacidade de lidar com o legado desse momento de suma importância para o esporte. Desenhar novas políticas para o esporte e atuar junto ao poder público para que sejam implementadas em sua integralidade. Assim como buscar formar mais profissionais para a ocupação desses espaços, executando o seu trabalho de maneira ética e responsável. Dessa forma, conseguiremos dar continuidade aos programas desenhados, com uma visão estratégica, com eficiência e eficácia. Além disso, precisamos fomentar um ecossistema financeiramente atrativo, para que não fiquemos a mercê somente do investimento estatal para o desenvolvimento do esporte. Em seguida, investir sabiamente esses recursos.
A gestão esportiva no Brasil precisa reafirmar a sua vitalidade para a indústria do esporte. Mostrar para o mercado o quão é fundamental que haja gestores competentes e que saibam administrar os recursos. Contudo, faz-se necessário quebrar paradigmas de amadorismo no esporte. Ignorar os aspectos culturais intrínsecos do brasileiro e começar a adotar princípios de governança, compliance e transparência. Dessa forma, conseguiremos estabelecer uma relação de confiança para com o mercado externo e atrair investimentos para o esporte.
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